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quinta-feira, 9 de setembro de 2010

O chato do avião


Eu tenho profunda vocação para o silêncio sepulcral nas primeiras horas da manhã.
Até porque, quem me conhece sabe que eu só acordo mesmo, muito tempo depois de levantar. Nas primeiras horas, todos os movimentos são meio automáticos e totalmente em slow motion.
A sorte é que minha escova de dentes já sabe o caminho da boca, pois nem para isso eu abro bem os olhos.
Entendo perfeitamente que nem todas as pessoas hajam da mesma forma. Tem gente por exemplo que acorda conversando com todos a seu redor como se fosse três da tarde. Outros que acordam ligados no 220W, fazendo várias coisas ao mesmo tempo, ligando a TV, o rádio etc.
Até  aí, nenhum problema. Desde que, é claro, esta outra tribo não me exija reciprocidade.
Não, eu não dou bom dia para as plantas, não saúdo o sol, a chuva ou o vento.
Não rego as plantas ao acordar, não abro as janelas, não checo as correspondências, nem tomo qualquer decisão. Nem mesmo da roupa que vou usar no dia, já que o uso do uniforme me permite economizar neurônios até nisto.
O mais próximo que chego da natureza ao acordar é quando ainda dormindo me enfio embaixo do chuveiro e abro a janela do banheiro pra espiar se preciso ou não levar o guarda chuva.
Pra ajudar, tenho a sorte de usar um meio de transporte bastante confortável a caminho do trabalho e que me permite dormir profundamente na quase uma hora do trajeto casa-empresa.
Janelas fechadas, ambiente quentinho, bancos leitos confortáveis, pessoas educadas e o mais importante: caladas. Eis o cenário perfeito para o meu “sono plus” matinal. Pra ficar bem próximo ao paraíso, só se o trajeto fosse mais longo e eu ficasse ali por horas a  fio. Mas já me dou por satisfeita, pois consigo baixar um pouco meu banco de horas negativo de sono, já que de dormir cedo eu definitivamente já desisti.
O problema de ter tudo assim tão do jeito que me agrade, é que quando preciso por algum motivo sair da rotina, o bicho pega.
Hoje foi um desses dias. Precisei viajar a trabalho e meu vôo para São Paulo estava marcado par as 07h. Isto posto, eu deveria estar no aeroporto as 06h, o que significa que precisei sair de casa as 05h e que portanto precisei acordar as 04h30. Tendo em vista que não há chá de camomila que me faça dormir antes da meia noite, eu havia quando muito, dormido 04 horas.
Dormir 08h para mim é mais do INsuficiente. Eu sempre digo que serei realmente feliz o dia que puder dormir 10,12horas por dia. Ok, preciso continuar jogando na mega sena para isto, mas sonhar (mesmo que acordada) ainda posso não é?
Considerando todos estes fatores, é redundante dizer que fui de arrasto até o aeroporto. Até tentei tomar um café da madrugada manhã, mas não resolveu. Os bocejos pareciam me levar para outra dimensão.
Quando enfim, entrei no avião, mal podia esperar para sentar na poltrona e tentar tirar um cochilo. Tudo bem se as poltronas não reclinam tanto, ou se o espaço entre elas é o mínimo aceitável. Quem se importa com isso, quando as olheiras que vão dos olhos ao queixo clamam por uma cochilada que seja.
Mas nem tudo é perfeito, e não é segredo algum que Murphy me acompanha. Até nas viagens.
O caldo já começou a entornar quando descobri que meu assento era no corredor. Não que eu goste de ver a vista lá de cima. Aliás eu gosto mesmo é de nem lembrar que estou lá em cima. Ocorre que os assentos da janela me dão uma falsa impressão de mais espaço e privacidade. Que seja somente impressão, mas pelo menos consigo me recostar e ferrar no sono sem correr o risco de babar no ombro de alguém.
Enquanto eu torcia pra os dois passageiros que ocupariam respectivamente os bancos da janela e do meio tivessem um mal súbito e não pudessem embarcar, apareceu a felizarda proprietária do assento da janela.
Enquanto eu a olhava e divagava sobre como o mundo as vezes é injusto, visto que a moça estava com uma pele maravilhosa, um cabelo bem escovado e a maquiagem em dia, e que portanto deveria ter tido uma bela e longa noite de sono, chega o “companheiro” do assento do meio. Mal pude concluir meu pensamento que em breve daria conta que a tal moça era um ser humano sem escrúpulos por não ter sequer a sensibilidade de me oferecer para trocar de lugar. Custava perceber que eu mal abrira os olhos? Pessoas cansadas e com sono deveriam ter atendimento preferencial nas empresas. Deveriam poder não ficar em filas de bancos nem de supermercados... Quiçá ter de ocupar o assento do corredor.
Distraída com meus pensamentos direcionados a mocinha desalmada, mal percebi que meu futuro vizinho de banco esperava quase debruçado por cima de mim que eu levantasse pra ele poder passar.
Dei passagem meio a contragosto. Afinal,que jeito?
Esperei que ele se recompusesse da maratona de passar dentre as poltronas apertadas e sentei para tentar folhear minha revista.
A medida que o cidadão espichava os olhos para a página que estava lendo e me olhava como quem quisesse debater a matéria publicada, eu ia fechando a cara e dando um jeito de colar os olhos na revista para que por fim ele percebesse meu interesse e não ousasse invadir meu silencio matinal e vetar qualquer possibilidade de aproximação.
É óbvio que não adiantou.
Ele agüentou até que o avião decolasse, mas não conseguiu mais se conter e disparou com um sotaque estranho, quase paraguaio:
-Sabia que é a primeira vez que viajo no meio de duas mulheres caladas?
Não consigo certamente descrever com perfeição meu semblante ao ouvi-lo. Mas ele girava em torno da incredulidade.
Não consegui responder nada além de balançar a cabeça e dar um sorriso amarelo que se aproximava muito de uma rosnada.
Cogitei responder que eu adoraria continuar calada o restante da viagem, mas preferi que meu silencio lhe servisse de resposta.
Ele não se deu por satisfeito (o chato é sempre um persistente)
- Isso é comum aqui no Brasil?
Fechei a revista e o encarei firmemente na esperança de que ele lesse minha legenda cerebral que gritava em caixa alta: NÃO.COMUM É AS PESSOAS SENTAREM QUIETAS SEM PUXAR ASSUNTOS IDIOTAS COM DESCONHECIDOS.
Mas ele não leu e eu com muito esforço consegui levantar os ombros sem entender onde é que ele queria chegar com aquele papo aranha.
Voltei os olhos para revista e a aproximei o máximo que pude do rosto para o desavisado perceber que eu definitivamente não queria papo. Mas ele deve ter no máximo concluído que eu era míope e não surda.
Como eu disse, a persistência é a virtude máxima dos chatos. Ele não se fez de rogado:
- Vocês brigaram? (apontando para mim e para a moça felizarda da janela que dormia o sono dos justos).
- Não Senhor. Eu nem a conheço.
Fechei a revista num movimento brusco, enfiei os óculos e fingi que estava dormindo, virando para o outro lado. Digo fingi, porque aquelas alturas o sono já não me era tão presente quanto a irritação que o individuo me causou.
Fiquei ali firme o forte de olhos cerrados pensando em como me controlar se ele me dirigisse a palavra outra vez. Juro que cheguei a planejar dizer que não podia falar porque tinha arrancado o dente siso, mas o inconveniente certamente ia querer maiores explicações ou usaria minha resposta como desculpas para dissertar sobre o assunto.
Comecei depois de alguns minutos a ouvir um ruído estranho e espiei levemente entre as pálpebras com medo de ser pega em flagrante na minha farsa do sono forçado. Descobri então que o ruído era produzido pelo ronco do chato.
Porque é claro minha gente: chato que é chato, não perde a majestade nem quando está dormindo.

Então tá!



Um comentário:

  1. Muito engraçada sua história! realmente é terrível quando queremos ficar quietas e alguém insiste em conversar, mas é terrível também quando queremos falar e não conseguimos como aconteceu comigo! bjusssss

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